segunda-feira, 25 de maio de 2015

Silva Campos, 1930: O naufrágio do “Germania”

Em a noite de 22 de Setembro do ano de 1876 o vapor alemão “Germania”, procedente da Europa, encalhou no arrecifes jacentes á entrada da bahia, cêrca do forte de Santo Antônio da Barra. Não foi a primeira embarcação que ali se perdeu. Nem seria a última. Salvaram-se facilmente tripulantes e passageiros, mas a carga sofreu enormes avarias, ocasionando vultoso prejuiso ás companhias de seguros.

Tão perto de terra ficou o vapor sinistrado que, pêla baixa-mar, podia-se ir a pé até junto do mesmo, cujo casco não poude ser salvo, muito embora ingentes esforços houvessem sido empregados nesse sentido. Uma boia assinala até hoje o lugar do naufrágio.

Ora, naqueles tempos em que a vida da cidade escoava-se pacata e monótona, por mezes a fio, um acontecimento dessa ordem era tema excelente para conversas e comentários de toda especia, dando origem a boatos e invencionices de toda casta. E não foram poucos os que se bordaram em derredor do naufrágio do Germania.

Disseram, por exemplo, que o comandante do paquete estava embriagado no momento do desastre. Porqu, raciocinava-se só um indivíduo ébrio levaria o navio para cima dos parceis, tão proxmos á terra, tratando-se, além de tudo, de velho marujo, que conhecia o pôrto desde largos anos.

Na bôca do povo andou mais a seguinte história. Ás vésperas da chegada do vapor, o faroleiro de Itaspoã foi procurado á noite por um sujeito cuidadosamente embuçado, o qual lhe prometeu avultada gratificação se em determinado dia nã acendesse o farol. O homem pensou maduramente, acabando por lhe dizer que voltasse no dia seguinte.

Cedo, procurou a casa do seu protector, o tenente-coronel José Felix da Cunha Menezes, mais conhecido por Dudú de Itapoã, e comandante de um dos batalhões de guardas nacionaes da capital referindo-lhe quanto se passara. Aconselhou-o esse a não aceitar semelhante proposta, pois tratar-se-ia indubitavelmente, de alguma bandalheira, ou, talvez, de algum crime. E que fôsse levar o caso á polícia.

O embuçado não voltou a procurar o faroleiro. Adivinhou…

Pois bem, á noite em que o Germania deu sôbre as pedras, procurando entrar na bahia, o farol de Santo Antonio da Barra estava apagado…

Voz do povo voz de Deus. Muita vez, porém, é rinchavelhar do Pé-de-Cabra. Eu t’arrenego…

SILVA CAMPOS. João da. O naufrágio do "Germania". In: _____. Tradições Bahianas – Separata da Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia nº 56, 1930. Bahia: Secção Graphica da Escola de Aprendizes Artífices, 1930, p. 62-63.